Três coisas que o definem?
Não me acomodar, pôr tudo em causa e fazer bem.
De que forma controla a ansiedade no dia a dia?
Acho que nos habituamos a conviver com ela, porque não se controla. Mas gosto disso. Procuro sempre novos desafios. Se a quantidade de trabalho que tenho não me satisfaz, procuro fazer autopropostas, para me ocupar. Tenho o vício do design. As primeiras oportunidades de trabalho que tive foram na área do design industrial. Acabei por me viciar e, encontrar no design uma atitude crítica que me entretém. A minha formação é em arquitetura. Mas a base do projeto está sempre no desenho. Na verdade, as minhas primeiras oportunidades de desenho de projeto surgiram no design. O meu pai tinha uma fábrica, e foi aí que desenhei as primeiras peças.
Qual foi a primeira peça que desenhou?
Foi uma cadeira. Ainda anda por aí o protótipo. Chamam-lhe a Cadeira do Zé. Ter iniciado o design com o meu pai, que tinha uma fábrica, marcou o meu percurso. Um dia, ele propôs-me desenhar uma linha de secretárias. E eu fiz a minha interpretação do que poderia ser o posto de trabalho. Então, em vez de uma linha fechada, desenhei um sistema, inspirado no Lego, que permitia personalizar o posto de trabalho. Esse tipo de abordagem refletiu-se também na forma como exerço a arquitetura, que passa por personalizar sempre a resposta, porque um pedido é só o ponto de partida para aquilo que queremos fazer. Mas, voltando à fábrica do meu pai, como gostava muito de arquitetura, acabava por desenvolver o design dos espaços. A empresa participava em feiras e eu desenhava os stands.
O que o faz entrar em arquitetura?
Era bom aluno nas disciplinas de ciências. Lembro-me de ter ido ao Porto visitar as universidades. Visitei a Escola Superior de Belas Artes e achei que era um mundo incrível. O convívio entre arquitetos, artistas plásticos e escultores fascinou-me. E, como era bom a geometria descritiva, optei por esse caminho. Reprovei muitas vezes..., mas tirei partido do curso (risos). Ajudou-me muito, porque ganhei uma maturidade que não tinha.
"A arquitetura é como o amor, passa pelas fases todas.”
Começa a trabalhar quando?
A meio do curso. Como reprovei algumas vezes, sentia necessidade de trabalhar, porque já tinha família, filhos. Fiz tudo muito jovem. Foi aí que comecei a dar aulas no colégio dos meus pais. A partir daí, sempre trabalhei e estudei. Quando terminei o curso, já estava inserido no departamento de design da fábrica do meu pai.
E lança-se por conta e risco passado quanto tempo?
Uns cinco anos. Até essa altura ia fazendo projetos, tanto para a fábrica como para familiares e amigos, por isso abri o atelier em paralelo. Quando a fábrica encerrou, passei a trabalhar só no atelier. Com o desenrolar do tempo, comecei a ter mais trabalho, passei a dar aulas na Universidade Católica e comecei, também, a ter estagiários no atelier. Abracei projetos de maior ambição. E assim fui crescendo de forma gradual.
São quase 30 anos a realizar e a construir sonhos. De que forma é possível, a cada projeto, sonhar com mais e melhor?
Não consigo acomodar-me. Vivo e respiro arquitetura, design e projeto. Ambiciono sempre mais. Nunca gosto do que faço, no sentido em que sempre que termino alguma coisa, tenho vontade de fazer melhor. Acomodar-me será o meu último desejo.
Alguma vez foi desafiado a passar o seu atelier para um centro urbano como Lisboa ou Porto?
Muitas vezes desafiaram-me: "Devias abrir em Lisboa ou no Porto”. Braga, Porto, Lisboa... é tudo Portugal. Sempre respondi: "Quando for, vou para uma coisa maior”. Então, o atelier foi para São Paulo. E, felizmente, tivemos boas oportunidades de trabalho. Conseguimos conquistar esse mercado. Como? Não faço ideia. Acho que não fazemos mal o nosso trabalho (risos).
Cada projeto leva muito da sua essência, enquanto humano e enquanto criativo?
Leva, muito. Dedico o tempo que for preciso a cada projeto. Estou sempre a pensar neles. Algumas vezes confundo-me, de uma forma saudável, mas a verdade é que os projetos acabam por se influenciar uns aos outros. O facto de trabalharmos em países culturalmente diferentes é também um contributo para o desenvolvimento de novas interpretações. Se por um lado apostamos numa abordagem que reforça a nossa identidade, por outro colhemos novas experiências que se tornam referências ao longo do tempo.
Na hora de idealizar um projeto para o cliente, o que prevalece?
A coisa mais importante é o cliente. O cliente define o projeto. Costumo dizer que a arquitetura tem a cara dos clientes (no sentido figurado). Tento compreender ao máximo o cliente e superar as expectativas. Na grande maioria dos casos, o cliente nunca tem, da minha parte, a resposta que esperava. E isso é bom, porque se ele soubesse com o que contar, talvez não viesse ter comigo, nem precisasse de um arquiteto.
Como lida com o cliente exigente?
Os clientes mais difíceis são os menos exigentes. São aqueles que, à partida, nos dão liberdade total. Mas a arquitetura é feita de condicionalismos, quer ao nível de expectativa, quer do ponto de vista económico. São esses condicionalismos que nos ajudam a balizar as opções. E a arquitetura também é feita de opções. Alguns clientes dão-nos carta-branca para o desenvolvimento do projeto o que, por um lado, dificulta o processo porque eleva a expectativa e por outro, torna o trabalho mais desafiante. Os trabalhos são todos bonitos, desde que se consiga entender a essência do pedido, que é o ponto de partida. A partir daí, temos que trabalhar de forma a ir ao encontro daquilo que se espera de um projeto. Não me agrada que as pessoas gostem logo à primeira vista do que veem. É algo que tem de se ir interiorizando e só depois se podem apaixonar. A arquitetura é muito mais do que o desenho. O desenho é uma forma de comunicar, mas, depois, há coisas que se sentem, não se explicam. Isso é que diferencia a arquitetura. E a nossa arquitetura tem muito disso.
Em arquitetura, é mais importante o desenho, o belo ou a eficácia dos espaços?
É tudo. É o equilíbrio de tudo. Não há arquitetura sem desenho. Por outro lado, o desenho não é tudo e o belo está nos olhos de quem o vê. Tem é de estar bem sustentado, bem definido. Nós, seres humanos, somos seres que facilmente, nos adaptamos a diferentes situações. Dito isto, acredito que uma organização convencional, provavelmente, não responde da forma mais eficaz a um determinado projeto. Um projeto não tem de ser convencional. Porque é que não podemos questionar a forma como vemos as coisas? Isso é tudo uma sequência de reflexões, opções, pensamentos, portanto, é neste equilíbrio entre expectativa, lugar, cliente, luz, materialidades e funcionalidades que encontramos o todo. E esse "todo” bem conseguido vai ter a cara do cliente.
O atelier Carvalho Araújo é reconhecido pelo excelente trabalho desenvolvido de arquitetura e design de produto. Trabalhou para conquistar este reconhecimento. Como deseja um dia ser lembrado?
Nós tentamos fazer bem, e, se formos bem-sucedidos, mais cedo ou mais tarde, as pessoas vão acabar por reconhecer. Mais do que ser recordado (porque já não estarei cá), gosto do facto de que as pessoas não saibam o que as espera, quando vêm ter connosco. Isso dá-me algum gozo. A arquitetura é como o amor, passa pelas fases todas. O primeiro momento é o de sedução (adoro esse momento). É aí que tento entender o que é que vai na alma do cliente e o pedido. Depois, vem a parte do encantamento e, por fim, vem o pior (questões processuais, questões de obra...), e, nesse momento, normalmente eu salto fora (risos). Mas tenho uma equipa fabulosa que dá conta do recado. Sobre como ser lembrado... Não faço a mínima ideia de como é que gostaria de ser recordado, provavelmente porque não gosto da ideia. Talvez o facto de não pensar nisso seja sinal de que ainda estou bem.