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Susana Bettencourt

"Gostava que a marca não morresse comigo”

F. Direitos Reservados
Em Lisboa cresceu. Em São Miguel se descobriu. Em Londres se acrescentou. Aos 38 anos é uma das criativas mais sonantes da cultura portuguesa, com um ethos que se assume como handmade knit technology. O talento é imensurável, colocando-a na posição de embaixadora portuguesa do artesanato e da malha. Por Roma, Londres, Viena e Moçambique, já passaram as coleções da artista, captando a atenção de todo o mundo para a marca Susana Bettencourt, inclusive, da própria Lady Gaga, que chegou a solicitar peças exclusivas. O segredo está no tempo. Introduzir um tempo em outros tempos. Tirar deles os bocados precisos. Nem mais, nem menos. Bordá-los de forma coesa, e uni-los por fios que não são efémeros. No fundo, um trabalho que une histórias e tradições, pautado pela sustentabilidade. Mais do que um ofício, Susana revela ter uma missão: a de eternizar o artesanato com pinceladas de modernidade. 
F. Ugo Camera
Aprendeu a fazer croché aos 5 anos, com a sua avó, na altura em que passava os três meses de verão na ilha de São Miguel. Por essa altura, a identidade criativa já começava a dar os primeiros sinais?
Ainda não. Aos 5 anos, as minhas diversões baseavam-se em fazer mesas, cadeiras e prendas de Natal. Quando ia passar as férias de verão à ilha, lembro-me de que o meu entretenimento noturno era aprender a fazer croché com a minha avó. Já a malha, aprendi com a minha madrinha, que morava em frente. Ainda assim, creio que o interesse foi despertado pela minha bisavó. Durante muitos anos, observei-a a fazer croché, toalhas e enxovais, e mesmo na altura em que ficou cega decidiu continuar. 
O aparecimento da minha identidade criativa surgiu muito depois. Só na adolescência é que comecei a fazer roupa, em croché e em malha, para mim. Foi aí que percebi que queria vestir de maneira diferente; aliás, lembro-me de inventar roupa e de passar horas na costureira por não querer a roupa tal e qual como me era apresentada. Mas a identidade que tenho agora, na minha marca, só a descobri na universidade e, mesmo nessa altura, não estava apurada. 

Mais tarde, Susana aventura-se por terras londrinas, durante mais de dez anos. Lá, licenciou-se em Design de Moda, especializando-se em malha. O plano nunca foi estudar em Portugal? 
Na verdade, o plano era ser bióloga marinha ou psicóloga. Depois, acabei por perceber que não era feliz na área de Ciências, apesar das boas notas, e optei por mudar para Artes, de forma a expressar a minha ideia artística, mesmo não sabendo para que ramo me inclinaria. Quando percebi que o que mais gostava era fazer e alterar roupa em malha, candidatei-me à Faculdade de Lisboa. Acabei por não entrar. Na altura, em 2003, o curso que desejava estava há pouco tempo em vigor nas universidades do país e, por isso, achei que deveria procurar outras alternativas no exterior. Até que surgiu a universidade Central Saint Martins College of Art and Design. Gostei da opção e decidi fazer, primeiro, intercâmbio em Londres, e, logo de seguida, candidatar-me ao curso na faculdade. Até ficar colocada foi um instante e acabei por prolongar a minha estadia em Londres por dez anos. Após concluir a licenciatura, quis ir para o London College of Fashion realizar o mestrado, visto que sempre me fascinou a ponte entre o artesanato e a tecnologia. Devo dizer que a cultura londrina me abriu horizontes e que o curso teve tanto de intensivo como de competitivo, fatores que, de facto, me ajudaram na descoberta da minha identidade. 

Antes de se lançar em nome próprio, trabalhou para designers de renome como a Fátima Lopes. O que ficou dessas aprendizagens?
Trabalhei para a Fátima Lopes, mas também para a Alexandra Moura. Estagiei, inclusive, em Londres e na Austrália. Um dos meus maiores ensinamentos foi consolidado com a Alexandra Moura, quando percebi a luta que tinha pela frente com a questão da marca de autor. Também adquiri experiência em termos de organização e de tentar fazer muito com pouco... Foi sempre uma aprendizagem, desde a vertente económica à criativa.  

"Portugal é pequeno e acabamos por sofrer pelo seu tamanho”
F. Ugo Camera
É em 2011 que cria a marca Susana Bettencourt. Uma fusão entre os trabalhos artesanal e digital, é assim que a descreve?
Sim, o artesanal e o digital são os dois pilares da marca. No trabalho de mão, tento sempre modernizar com novos materiais e métodos de aplicação. É engraçado porque adquiri esta tendência com a minha tia, dos Açores. Quando era pequena, lembro-me de a ver pegar nas rendas tradicionais das ilhas para tentar transpô-las para bordados em máquina. Foi com ela que aprendi as raízes e as bases de todas as técnicas, embora depois tivesse evoluído em Londres, com trabalho autónomo. E, portanto, hoje o meu trabalho é exclusivo. É a minha renda e não a de Peniche ou a de Vila do Conde.
Uma das minhas maiores procuras sempre foi modernizar e evoluir o artesanato, de forma a cativar as pessoas para a área. Atualmente, é difícil dar continuidade a napperons, fundos de tabuleiro, toalhas, enxovais... O enxoval já nem é uma tipologia de produto que esteja presente nos dias que correm. Portanto, é necessário modernizar. Temos uma Joana Vasconcelos que comprova que as malhas aplicadas à arte podem ser valorizadas. Então, porque é que um pedacinho de malha aplicado numa camisola não pode ter valor? O fast fashion poderá ser uma das causas que justifica esta desvalorização, dado que tem vindo a alterar a noção de valor de roupa. É, por isso, importante atualizar as coisas de forma a torná-las pertinentes. Passar este ensinamento revela-se igualmente fundamental. Tanto que tenho protocolos com universidades para receber estagiários, ao mesmo tempo que, em Portugal, não há faculdades que tenham o curso de design de moda com malhas. É impressionante o facto de estarmos num país onde 70% da exportação é malha e ainda não exista um curso superior de malha. 

Em que etapa entra a sustentabilidade?
A sustentabilidade é aplicada logo no início da cadeia de produção. Ora, a vertente ambiental é consolidada a partir do aproveitamento dos desperdícios, sem esquecer que, a partir do momento em que somos uma marca pequena, produzimos em menor quantidade e, portanto, produzimos conscientemente. Mas também investimos numa sustentabilidade ligada ao conhecimento. No processo de comunicar o valor emocional da peça, por exemplo, podemos ser sustentáveis e, se o formos, o comprador terá outro cuidado com a utilização do produto. 

Qual é a missão intrínseca ao seu trabalho?
Permita-me dizer que, logo desde o início, quis identificar as minhas peças. E quero continuar a fazê-lo, porque é assim que se cria um projeto para ficar. Gostava que a marca não morresse comigo e, de facto, um dos objetivos que tenho é o de fazer com que as pessoas se voltem a apaixonar por estas técnicas artesanais, que queiram aprender a executá-las. É a minha missão. 
F. Ugo Camera
Foi a estilista quem trouxe a tradição da confeção artesanal de malhas para o país?
Há colegas meus com outro tipo de técnicas mais especificas na parte da modelagem, costura e experimentações. Tenho é pena, porque Portugal é pequeno e acabamos por sofrer pelo seu tamanho. O mercado é reduzido e há dificuldade em expandir. Acho que há algo que já conseguimos alcançar, comprovado pelo crescimento da nossa indústria têxtil, que é o reconhecimento do Made in Portugal. As pessoas já começam a ver grandes marcas a produzir em Portugal. Ainda assim, o ramo do design ainda não evoluiu como o esperado. Temos de começar a vender as nossas marcas. Portugal lucraria muito mais se o preço de custo fosse de cá, assim como a marca. Podia fazer uma grande diferença para o país. É verdade que temos algumas marcas que têm feito evoluir a indústria portuguesa, como a Vilanova e a Parfois, mas é necessário mais. Temos o know-how, as pessoas... Se deixarmos esmorecer tudo isto, vai ser complicado ter alguém para trabalhar na área, daqui a alguns anos.  

Segue tendências?
Sigo no sentido de me manter informada, porque, como disse, eu não quero que a marca morra comigo e, portanto, não quero que fique desatualizada. Posso dizer que estou atenta às tendências, mas o que procuro sempre é desenvolver uma imagem original. Trata-se de um desenvolvimento criativo meu, que acaba por ser feito a olhar para dentro e não para fora.  

Se fizesse uma colaboração com um designer português, qual seria?
Apesar de não ser designer, gostava de fazer uma parceria com a Joana Vasconcelos, até porque, ultimamente, tenho enveredado pelo domínio da arte e decoração, áreas que me dão bastante gozo.  

"É a minha renda e não a de Peniche ou a de Vila do Conde”
F. Ugo Camera
O que pode revelar da coleção mais recente da marca?
Tenho estado a explorar as origens, voltando às técnicas iniciais. Na última coleção, fiz uma brincadeira entre a volumetria e o 2D. A coleção, que estará em loja a partir de agosto, foi fruto de uma simulação de degradê, riscas e flores de croché. No fundo, como se voltasse a pensar com a cabeça de 5 anos. A próxima coleção, que será apresentada no Portugal Fashion, entre setembro e outubro, será a evolução destas primeiras ideias, transformando-as em tudo aquilo que aprendi até hoje. 

Como se encontra a moda portuguesa?
Estamos num ponto de viragem. A minha geração foi guerreira, porque passou pela crise de 2008, que se arrastou de uma forma intransigente em Portugal. Portanto, quem criou marca durante a crise é porque tem uma grande dose de loucura e paixão à mistura. Atualmente, temos uma vaga nova de designers, com um rasgo diferente. Enquanto na minha geração somos tecnicistas, hoje tudo é direcionado para marketing, fotografia, styling... Creio que podemos vingar, se os dois mundos se cruzarem.   

Considera-se a tricotadeira do amanhã?
Considero. Considero-me a mim, à minha equipa e a todos os que fazem parte deste projeto. 
Joana Rebelo
T. Joana Rebelo

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